Quando um jogo de tabuleiro é apresentado para uma editora, é normal que ele já venha com um tema pensado pelo autor, às vezes até com propostas de arte pensadas para deixar o jogo com a cara do que foi proposto originalmente para aquele conjunto de mecânicas, o sistema do jogo. O nosso último lançamento, Dogs’ Day, foi um desses jogos.
Inicialmente, o jogo foi proposto numa temática de Robin Hood, por ser pensado para um outro projeto e assim foi apresentado a mim. O autor, o premiadíssimo e internacionalmente reconhecido Sergio Halaban, me mostrou um jogo pensado para a temática do mais famoso ladrão de Nottingham em que personagens interagiam em uma fileira, resolvida do maior número para o menor número, cada um com uma habilidade específica e todos de olho no ouro da coroa. Naquele momento, o jogo já tinha sido testado e aprovado por outra grande editora e tinha um objetivo diferente do objetivo que a gente, na Geeks N’ Orcs, tinha pra ele.
Uma das coisas que mais me chamava a atenção naquele jogo era a forma de resolução da rodada. Cada jogador colocaria uma carta da sua mão em jogo, numa fileira organizada da carta de maior valor para a de menor valor e os efeitos eram resolvidos um a um, nessa mesma ordem. No caso, existiam dois tipos de efeitos, de interação e de personagem. Alguns efeitos eram automáticos, outros só aconteciam se houvesse um outro personagem específico em jogo. Exemplo: A só faz seu efeito se B também estiver na fileira. Por último, um dos grandes detalhes que também me chamou a atenção foi que um dos personagens precisaria ser o único daquele tipo a estar na rodada para realizar o seu efeito. Ou seja: C só realiza o efeito se for o único C na rodada.
Esses 3 pontos foram importantes demais para que eu enxergasse o potencial do jogo e que visualizasse claramente um tema: assalto a banco.
Quando o Sergio me mostrou o jogo, eu só conseguia pensar nisso aqui:
Lembra dessa cena? Pois é, foi o que eu visualizei ao conhecer o jogo. Todo mundo tá na rodada cumprindo sua função, mas tem uma pessoa pra te atrapalhar sempre – no caso do filme, te matar. Foi essa a experiência que eu vi no jogo do Sergio e conversei com ele sobre.
Estamos juntos num assalto, nosso objetivo é roubar um banco. Depois, na hora da divisão, é que é cada um por si. Vamos por aí?
Depois de um tempo e muito trabalho, de fato o jogo chegou onde ele está hoje. O roubo ao banco é uma fase de espólio mesmo. Os jogadores vão até o banco, o carro-forte e a prisão e rouba. Já a fase seguinte, A Reviravolta, é a fase de interação intensa e o motivo para você tentar ler melhor seus adversários.
Foi desse jeito que o Dogs’ Day entrou para ser trabalhado na Geeks N’ Orcs. Foi assim que eu propus ao Sergio a mudança do tema para um jogo de assalto a bancos e, hoje, o resultado me deixa bastante satisfeito. Fico feliz de ver o Sergio elogiar decisões editoriais e de produto, como ele fez no Prosa que participou.
Ter a oportunidade de trabalhar com o maior game designer brasileiro foi bem diferente. Um orgulho grande para mim e para todos nós da Geeks N’ Orcs. Além disso, é curioso como o mesmo conjunto de regras, visto por pessoas diferentes, pode ser interpretado de diversas maneiras. O potencial que eu vi no jogo, provavelmente não foi o mesmo que a outra editora viu. Até por isso, trabalhamos focando em aspectos diferentes do jogo para amplificar uma ou outra sensação.
No fim das contas, fazer jogos e produtos é isso: entender qual experiência você quer entregar, qual a sensação você quer que os jogadores sintam e tentar executar aquilo para que o ciclo seja reproduzido em todas as interações dos usuários com o produto, de forma menos ruidosa, com menor interferência e sem quebras. Acho que o Dogs’ Day entrega tudo o que o Sergio propôs e tudo o que visualizamos lá atrás.