Além dos jogos | A falácia da mão-quente e os jogos de force sua sorte

A mente humana é, sem dúvida, uma ferramenta poderosa e que nos ajudou, como espécie, a chegarmos até aqui. No entanto, apesar de nos ajudar em muitos aspectos, nossa mente pode nos pregar peças e, às vezes, nos fazer enxergar o que de fato não está lá.

O economista comportamental, Daniel Kahneman (Nobel em Economia) descreveu em seu livro “Rápido e Devagar – Duas formas de pensar”, as duas formas de pensar que possuímos, os dois tipos de processos cognitivos pelos quais passamos. Um deles, o devagar, mais analítico, necessita mais tempo e é menos “instintivo”, digamos assim. A outra forma de pensar, o jeito rápido, é mais “instintivo”, toma decisões de forma mais rápida, sem necessidade de análise profunda e, para chegar a decisões mais assertivas, busca por padrões para repeti-los ou evitá-los.

O processo rápido, apesar de muito importante em diversas situações e responsável por nos fazer reagir rapidamente a situações de perigo, por exemplo, tem a tendência de se desviar e assumir viéses coginitvos, ou seja, ele distorce julgamentos e a própria compreensão da realidade. Alguns jogos de tabuleiro usam muito da criação desse viés para criar uma experiência mais impactante e memorável.

A Falácia da mão-quente

Um desses vieses cognitivos é a mão-quente. Diz-se que, no basquete, quando um jogador acertou uma sequência de arremessos ele está com a mão-quente, o que garantiria mais sucesso nos arremessos seguintes, independente do fato de cada arremesso ser totalmente independente do anterior ou do próximo.

Assim como a necessidade de enxergar o padrão no basquete, também temos a tendência de fazer a mesma coisa em outras áreas. Num TCG, por exemplo, como Pokémon ou Magic: The Gathering, se um jogador abre dois boosters seguidos com boas cartas, ele pode enxergar nisso um padrão e só parar de comprar e abrir novos boosters após uma longa cadeia de maus resultados.

Os jogos de tabuleiro também podem se utilizar dessa nossa capacidade de enxergar padrões onde não existem e explorá-las, como faz o excelente Can’t Stop.

No jogo, você brinca com suas chances e com as probabilidades dos dados para fazer três “alpinistas” seus escalarem uma montanha. O primeiro jogador a fazer isso vence a partida. Simples e divertido.

Na sua vez de jogar, um jogador rola quatro dados e deve usar combinações de dois dados para “escalar a montanha”. Por exemplo, se um jogador rolou 2 dados 3, um dado 4 e um dado 6, ele pode fazer sempre combinações de dois dados, usando cada dado em apenas uma combinação por vez:

3 + 3 = 6 e 4 + 6 = 10 – subindo nos números 6 e 10
3 + 4 = 7 e 3 + 6 = 9 – subindo nos números 7 e 9

Essas seriam as jogadas possíveis com os dados tirados. Em seguida, o jogador poderia rerrolar os seus dados e sempre escolher combinações de dois dados para subir seus alpinistas. No entanto, cada jogador só pode avançar em três números diferentes em uma única rodada, isso faz com que, a partir do momento que já avançou em três trilhas diferentes na rodada, o jogador não possa mais avançar em outras trilhas, exceto as que ele já avançou nesta rodada. Se, em alguma de suas rolagens, não conseguir combinar os dados de um jeito que possa avançar em alguma das trilhas, o jogador perde TODO o avanço em TODAS as trilhas que avançou naquela rodada.

Uma das coisas magníficas de jogar Can’t Stop é ver o comportamento das pessoas, que, incentivadas por sucessos nas rolagens de dado anteriores, são encorajadas a seguirem em frente, justificando sempre o nome do jogo: não pode parar. Se já cheguei até aqui, chego até mais na frente. Essa distorção da realidade faz com que arrisquem excelentes avanços em busca de um próximo sucesso, baseado exclusivamente na confiança da “mão-quente”.

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